22 setembro 2025 - 00:24
Em Gaza… quando a casa se transforma em tenda:
a dor do deslocamento palestino

O deslocamento não é um acontecimento passageiro na vida de uma pessoa, mas um terremoto que arranca suas raízes da terra, da casa e da memória.

Por Wisam Zoghbour, para AhlulBayt News Agency- Abna, desde Gaza

O deslocamento não é um acontecimento passageiro na vida de uma pessoa, mas um terremoto que arranca suas raízes da terra, da casa e da memória, e a empurra para uma jornada forçada cujo fim – de tempo e de lugar – é desconhecido. Frequentemente, o deslocamento é reduzido a uma mera transição geográfica de uma região para outra, quando, na realidade, é algo muito mais profundo e pesado.

Hoje, os habitantes da Cidade de Gaza vivem uma das formas mais cruéis desse deslocamento forçado, depois de terem sido obrigados a deixar suas casas e bairros em direção ao centro e ao sul da Faixa. A cena não é apenas a de uma transferência compulsória sob bombardeio, mas a de um desenraizamento coletivo da cidade-mãe para uma vida provisória em escolas ou tendas que não protegem nem do calor nem do frio. Ali, as pessoas se amontoam em espaços apertados, onde a perda de privacidade se mistura à ausência de segurança e ao agravamento das necessidades cotidianas.

O deslocado não enfrenta apenas a dureza do caminho, mas colide com uma muralha psicológica implacável: perde o sentido de estabilidade e vive numa ansiedade permanente diante do desconhecido. As imagens do passado desmoronam diante de seus olhos, e ele se vê cercado por sonhos suspensos numa realidade que não lhe dá sequer a oportunidade de respirar. Cada instante de deslocamento carrega consigo o medo do amanhã e a saudade de uma casa que já não existe, senão na memória.

O que torna a tragédia ainda maior é que o deslocamento não é apenas um choque psicológico, mas também um fardo financeiro que drena o que resta da capacidade das famílias de resistir. Os custos de abrigo, alimentação, tratamento médico e transporte se transformam em encargos insuportáveis, enquanto faltam redes de proteção e de apoio eficaz. O deslocado de Gaza para o sul, assim como em outras experiências, vive uma vida provisória permanente: sem estabilidade e sem futuro claro para seus filhos.

O sofrimento do deslocamento revela que a tragédia palestina não é apenas uma questão política ou um dossiê de negociações, mas uma história humana carregada de dor. Cada deslocado da Cidade de Gaza hoje é uma pequena pátria em si mesmo, e cada jornada forçada é um novo capítulo de perda e privação.

Mas, apesar de toda essa dor, o deslocamento forçado permanece como testemunha da resiliência do palestino, que se recusa a transformar a ausência em rendição. Assim como a Nakba não conseguiu apagar a identidade do povo, também as repetidas catástrofes de Gaza não conseguirão quebrar a vontade de retorno. As tendas do deslocamento de hoje podem ser temporárias, mas a determinação de resistir permanece, e a memória do lugar é forte demais para ser apagada. De entre os escombros e o exílio, ergue-se uma promessa renovada: de que todo deslocamento há de ser seguido por um retorno, e de que a terra reconhece os seus donos, por mais longo que seja o exílio.

“Continuaremos a escrever nossos nomes nas paredes do vento, a plantar nossas sombras na areia e a repetir com Darwish: Nesta terra, há o que merece a vida. E, ainda que longo seja o caminho do deslocamento, nossos passos conhecem o rumo da volta.”

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Edição de Texto: Alexandre Rocha

Wisam Zoghbour é jornalista, membro da Secretaria-Geral do Sindicato dos Jornalistas Palestinos  e diretor da Rádio Voz da Pátria

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